Em agosto de 2022, participei do Congresso Europeu de Endometriose, em Bordeaux, na França. Além de apresentar um trabalho sobre a técnica de remoção em bloco da endometriose, que desenvolvo há mais de duas décadas, tive a oportunidade de realizar algo ainda mais significativo para mim: conhecer pessoalmente o Dr. David Redwine.
Um nome que mudou minha forma de ver a endometriose
Conheci o trabalho do Dr. Redwine anos antes, através de artigos e aulas que encontrei na internet. Em um cenário ainda amplamente dominado pela teoria da menstruação retrógrada de John Sampson (1927), ele foi uma das primeiras vozes a apresentar uma visão diferente e mais coerente com a realidade clínica: a de que a endometriose tem origem embrionária.
Em 2002, publicou na revista Fertility and Sterility um artigo de grande impacto, no qual refutava a hipótese de Sampson, argumentando com clareza que a endometriose não pode ser explicada apenas pelo refluxo menstrual. Segundo ele, trata-se de uma doença do desenvolvimento dos ductos de Müller. Ainda em 1987, Dr. Redwine já havia utilizado o termo mulleriose para descrever um espectro de condições — como adenomiose, malformações uterinas (úteros bicornos, septados) e até gliomas pélvicos — todas associadas a falhas na embriogênese.
A viagem até Bordeaux
Fui até Bordeaux com minha esposa, Carolina, e nossos filhos. Foi uma viagem desafiadora em muitos sentidos, mas necessária. Apresentei um trabalho que sintetiza anos de dedicação e estudo sobre o padrão anatômico e embriológico das lesões de endometriose profunda. Mostrei como a técnica de remoção em bloco permite tratar a doença com mais eficácia ao respeitar os limites naturais das estruturas afetadas — especialmente os parâmetros uterinos, a fossa ilíaca esquerda, a região do apêndice, os ligamentos laterais e o retroperitônio.
Esses padrões repetitivos reforçam o entendimento de que a doença não é “espalhada aleatoriamente”, mas segue um mapa definido desde a embriogênese. Ao encontrar Dr. Redwine e apresentar o trabalho citando seus estudos como base teórica, ele demonstrou satisfação em ver sua teoria aplicada na prática cirúrgica com resultados concretos.
A confirmação de um caminho
A troca com o Dr. Redwine foi objetiva e profunda. Ele compreendeu que a técnica de excisão em bloco que praticamos tem como fundamento o mesmo princípio que ele defende há décadas: a endometriose é uma falha de construção do corpo feminino durante o desenvolvimento embrionário.
Foi um momento de validação científica, mas, acima de tudo, de convergência. Duas trajetórias diferentes, iniciadas em contextos e países distintos, unidas por uma mesma convicção: a de que tratar endometriose exige compreender sua verdadeira origem.
Por que compartilhar essa história?
Porque a ciência não avança apenas em laboratórios ou centros cirúrgicos. Ela avança com ideias que se encontram, com hipóteses que se fortalecem mutuamente, com experiências que se somam.
Esse encontro não mudou apenas minha vida — ele reforçou uma missão: continuar buscando respostas embasadas, desmistificar conceitos ultrapassados e levar às pacientes um tratamento que respeite a origem real da sua dor.
Em breve, vou compartilhar aqui as fotos do congresso e trechos dos artigos que sustentam essa linha de pensamento. A endometriose precisa ser compreendida como ela realmente é: uma doença do desenvolvimento, não um problema de menstruação “que se espalha”.
Referencias:
1- Redwine DB. Was Sampson wrong? Fertil Steril. 2002 Oct;78(4):686-93. doi: 10.1016/s0015-0282(02)03329-0.
2- Chiminacio I. Embryological and Mullerian aspects of the origin of endometriosis. J Minim Invasive Gynecol. 2025 Apr 21:S1553-4650(25)00131-1. doi: 10.1016/j.jmig.2025.02.018.
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English version:
The Meeting That Changed My Life
In August 2022, I participated in the European Endometriosis Congress in Bordeaux, France. In addition to presenting a study on the en bloc excision technique for endometriosis, which I’ve been developing for over two decades, I had the chance to experience something even more meaningful: meeting Dr. David Redwine in person.
A name that reshaped my understanding of endometriosis
I discovered Dr. Redwine’s work years ago through his articles and lectures online. At a time when the retrograde menstruation theory proposed by John Sampson in 1927 still dominated the field, Dr. Redwine was one of the first voices to offer a different — and more clinically coherent — perspective: that endometriosis has an embryological origin.
In 2002, he published a landmark article in Fertility and Sterility, clearly challenging Sampson’s theory. Based on clinical and anatomical observations, he argued that endometriosis could not be explained solely by menstrual reflux. Instead, it was a disease stemming from errors in the development of the Müllerian ducts. Even earlier, in 1987, he coined the term mülleriosis to describe a broader spectrum of conditions — including adenomyosis, congenital uterine anomalies (such as bicornuate or septate uteri), and even pelvic gliomas — all potentially rooted in embryological maldevelopment.
The journey to Bordeaux
I traveled to Bordeaux with my wife, Carolina, and our children. It was a challenging trip in many ways, but it was worth every effort. I presented a study that synthesizes years of research and surgical experience, focused on the anatomical and embryological patterns of deep endometriosis. I demonstrated how the en bloc excision technique allows for more effective treatment by respecting the natural boundaries of the disease — particularly in the parametrium, the left iliac fossa, the appendiceal region, the lateral ligaments, and the retroperitoneum.
These recurring anatomical patterns support the idea that endometriosis does not spread randomly. Instead, it follows a predictable distribution, shaped during embryogenesis. When I met Dr. Redwine and presented my work — citing his publications as its theoretical foundation — he was genuinely pleased to see how his research had helped guide a surgical method that is now improving lives.
Validation and shared vision
Our conversation was focused and rewarding. Dr. Redwine immediately recognized that the en bloc technique I use is built upon the same fundamental concept he has advocated for decades: endometriosis results from a developmental defect in the female reproductive tract.
This meeting brought not only scientific validation, but also a sense of shared purpose. Two separate paths — in different countries, with different timelines — converging around a common understanding: that treating endometriosis requires knowing where it truly comes from.
Why share this story?
Because science doesn’t move forward through isolated work alone. It advances through dialogue, shared insights, and the merging of ideas.
This encounter didn’t just change my life — it strengthened a mission: to continue questioning outdated assumptions, to pursue deeper explanations, and to offer patients a treatment grounded in the real cause of their pain.
Soon, I will share photos from this meeting and excerpts from the key articles that support this vision. It’s time we all see endometriosis for what it truly is: a developmental disorder, not just a problem of misplaced menstrual blood.